O juiz titular da 3ª Vara Federal de Sergipe, Edmilson da Silva Pimenta, estabeleceu prazo de 90 dias para que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) faça o traslado da Canoa de Tolda Luzitânia, peça única no patrimônio cultural naval brasileiro, de Traipu – onde se encontra em terra – até Penedo. Neste município, deve ser instalado um estaleiro para a realização dos reparos necessários.
A audiência aconteceu no dia 10 de junho no âmbito da Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pela Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda. Sob a guarda do Iphan, a embarcação encontra-se em Traipu à espera de reparos desde 2022, após naufragar e ser resgatada por ordem judicial.
Para o membro fundador e presidente da Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda, Carlos Eduardo Ribeiro Junior, a decisão é mais um passo para que a histórica embarcação, tombada em 2010 pelo Iphan, seja integralmente reparada e volte a singrar as águas do São Francisco.
“A canoa de tolda Luzitânia é o mais antigo remanescente das grandes embarcações tradicionais de serviço da bacia do São Francisco, o que por si, já é um elemento suficiente para justificar o seu valor e a necessidade de sua conservação”, destacou Carlos Eduardo, em entrevista ao Alagoas Notícia Boa (ALNB).
Ele recorda que a volta da Luzitânia às águas do São Francisco integra a proposta original da instituição, ainda nos idos de 1999, quando, na difícil negociação para a compra da embarcação, a Sociedade Canoa de Tolda estabeleceu que o bem seria restaurado e voltaria a navegar.
“A Luzitânia, inteiramente restaurada por nossa organização, e mantendo fielmente o padrão ancestral dessa classe de embarcação, é um exemplo talvez único no mundo, de convergências de tecnologias navais planetárias”, ressaltou.
A Canoa de Tolda, aliás, foi usada por Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, à época de sua passagem pela região ribeirinha.
“Para cá trouxeram os europeus, a tradição da arte naval mediterrânea, ibérica, batava, africana e asiática que junto com o conhecimento nativo, produziram a derradeira e mais especializada embarcação para navegar no Baixo São Francisco, embarcação magnífica que foi incorporada à paisagem deste trecho do Velho Chico”, reforçou.
Audiência
Na audiência, a Justiça Federal determinou que o Iphan deve efetuar, em caráter de urgência, a remoção da Canoa de Tolda Luzitânia para um local seguro, a fim de que seja realizado o processo de secagem, até que ocorram as indispensáveis ações de restauro e conservação.
Ficou definido, também, que o traslado será realizado pelo Rio São Francisco, através de balsa e que, no prazo de 90 dias, o Iphan providenciará a adequação do galpão onde será recuperada a Canoa, no município de Penedo. Nesse mesmo prazo, será feito o translado da embarcação para o estaleiro.
Segundo a Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco, a execução dos reparos da Canoa Luzitânia está a cargo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), tendo como base a Unidade Penedo, através de um Termo de Execução Descentralizada (TED), dispositivo formal institucional.
Participaram da audiência a procuradora da República Gisele Dias de Oliveira Bleggi Cunha; o procurador-geral da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Sergipe (OAB/SE), Leonardo Oliveira; os advogados da entidade autora do processo (escritório Jane Tereza – Advocacia & Consultoria), bem como seu representante; servidores da Ufal – dentre os quais o professor Igor da Mata, coordenador das obras de reparo da Luzitânia; os representantes do Iphan e seu procurador.
Definição da agenda
Apesar do avanço que representa a mais recente decisão judicial, Carlos Eduardo lamenta a inexistência de uma agenda de trabalho com datas definidas para início e conclusão dos reparos; bem como para o retorno da Canoa à navegação.
“Evidentemente que, além dos esforços feitos para chegarmos à decisão do último dia 10, não esmoreceremos no acompanhamento do processo pois, sim, é fundamental que sejam estabelecidos prazos de início da obra, seu término e entrega da Canoa Luzitânia, apta a navegar”, ponderou o presidente.
“Tais condicionantes não são apenas um direito nosso, como proprietários da Luzitânia – e que, de forma pública e notória, realizamos o restauro integral da embarcação, sem qualquer suporte de governos, ao longo de uma peleja de quase dez anos -, mas também da sociedade brasileira”, completou.
O Alagoas Notícia Boa (ALNB) tentou, sem sucesso, ouvir o Iphan. Além de ligar para a instituição, a reportagem enviou questionamentos via e-mail, mas não obteve resposta até o momento.
Planos
Uma vez restaurada e sobre as águas, a Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda quer voltar a navegar com a embarcação, a ter novamente o prazer de tão simplesmente estar a bordo dela, e também retomar as viagens de monitoramento em todo o Baixo São Francisco.
“A Luzitânia, além do seu papel na paisagem cultural do maior rio brasileiro, também é elemento essencial no segmento ambiental, na crítica e desigual, injusta guerra pela água. Como embarcação tradicional mais antiga no São Francisco, tem direito à navegação e, para tanto, como as demais embarcações, precisa de água para poder singrar. Havendo mais água para navegar, há mais água para os ecossistemas. Em resumo, com a Luzitânia na água, precisamos navegar e refletir sobre o futuro da embarcação e o de nossa organização, que sofreu danos irreparáveis por não poder utilizar, desfrutar de seu maior patrimônio material”, conclui Carlos Eduardo.
Saiba mais sobre o Projeto Luzitânia aqui.
Vídeo
No vídeo abaixo, conheça um pouco mais sobre a história da Canoa de Tolda. Nele, há falas de pessoas ligadas ao patrimônio naval, como o navegador Amyr Klink, em depoimentos de apoio ao resgate da Canoa de Tolda Luzitânia.
A direção é Bhig Villas Boas; produção e montagem: Vanessa Leal dos Santos / SetCom.