Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o jornalista Fernando Coelho escreveu a resenha intitulada “Cem Causos de Amor”.
O texto aborda o livro Cem Causos da Viçosa das Alagoas, lançado em abril do ano passado. Confira abaixo e boa leitura!
Cem Causos de Amor
Por Fernando Coelho
Um livro com lembranças de um lugar, escrito por 100 moradores de uma cidade do interior do Brasil: Cem Causos da Viçosa das Alagoas. A obra lançada em 2023 reúne contos, crônicas, poemas e quadras extraídas da memória para impressão no papel – feito raro em nosso cotidiano incontrolavelmente digital.
“É um livro com 100 autores”, apontou Marcos Peixoto, um dos organizadores do título, sobre outro fato incomum em tempos de celebração do individualismo. O esforço editorial independente veio a lume pela Querida Prudência graças à obstinação de um grupo de conterrâneos – que formou uma comissão organizadora para operar a confecção do calhamaço sobre a terra do coração.
Tenra, fresca, nova, vigorosa. Todas sinônimos para a palavra “viçosa” – a mais charmosa entre os homônimos que batizam o município alagoano situado na Zona da Mata do estado, distante 86 quilômetros da capital, Maceió.
Berço de notável intelectualidade e de eflúvios da cultura popular, Viçosa sempre teve motivos para se orgulhar da prole, que mais uma vez retribui com gratidão e generosidade.
O causo assinado pelo próprio Marcos Peixoto dá pistas contundentes sobre a relação inabalável entre a pólis e sua gente – mesmo quando esta não habita mais aquela. O Homem que Amou uma Cidade exemplifica com singeleza a admiração do dentista por um amigo cujo atributo singular era o encantamento atávico pela paragem de nascimento e vida.
Como nos anos dourados, a compilação soa como encontro em praça pública. Estão lá: a cidadã anônima, o intelectual condecorado, o vulto político nacional, o profissional liberal respeitado, o artista reconhecido, a matriarca de família aquinhoada…
Além de capa e contracapa assinadas pelo artista Agélio Novaes, a divisão do volume em causos e crônicas – com poemas e quadrinhas distribuídas ao longo da publicação – foi outro acerto, pois ampliou a diversidade de expressões literárias, tornando-se mais compatível com o perfil heterogêneo do conjunto de autores.
Por isso, mesmo que o manejo léxico e a habilidade narrativa variem de causo para causo, o compêndio vale de fato o quanto pesa. O interesse histórico – ainda que retratado pelas vias por vezes imprecisas da memória – merece leitura atenta (ou aleatória) nas 384 páginas do exemplar.
Como definiu Beatriz Brandão num dos textos de apresentação: “[O livro] se caracteriza como um delicioso repositório de histórias e episódios, de heranças e tradições…”.
Há muitas passagens curiosas e várias marcantes. A gargalhada sai fácil ao final de O Censo Rural de Viçosa, no conto como galhofa, talhado corretamente por Ivã Vilela, sobre a entrevista de um censor do IBGE a um morador local. Ou ainda o cordel Adelmo Jatobá, que recupera magistralmente puias, loas e glosas da cultura brejeira nordestina sob a pena de Adelson Jatobá.
Em O Raio que Caiu Várias Vezes no Mesmo Lugar, Paulo Bomfim reconta a hilária aventura de uma trupe de amigos a bordo de um antigo automóvel.
Já o jornalista Severino Carvalho, quando ainda torcia pelo Fluminense, remete aos tempos de futebol de várzea em terreno ocupado originalmente pela turminha da rua do Pão sem Miolo.
Em ato de iluminação típico das terras viçosense, o futuro craque das reportagens trocaria o terno tricolor pelo manto rubro-negro do Flamengo, numa das mais memoráveis viradas de casaca daquelas bandas.