Com sua bolsa larga rosa pink e detalhes de um desenho animado, Amara Gomes Andrade da Silva, de 78 anos, estudante da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI), chega animada e a passos rápidos para mais um dia de aula na Escola Municipal Lenilto Alves, localizada no Jacintinho.
A pequena Amara, que deixou o sonho de estudar quando ainda estava na 2ª série do ensino fundamental em uma escola pública da cidade, para ajudar seus pais, hoje comemora ter aprendido a escrever seu primeiro nome.
“Falta o resto, mas aos poucos estou conseguindo. Foi uma alegria tão grande quando eu escrevi pela primeira vez, pulei de felicidade”, descreve a estudante, que também comentou que não gosta de faltar, está todos os dias na sala, e sempre faz as atividades de casa.
“Depois de fazer o meu nome, eu consegui escrever ‘Jesus eu te amo’. Foi difícil. Para conseguir eu tive que juntar letra com letra e acabei preenchendo uma folha toda com essa frase, passei a noite toda fazendo isso em casa. E não foi tarefa da escola não, foi eu mesmo que quis. Às vezes nem durmo porque eu faço todas atividades. Estou aprendendo ainda. No interior, a gente só sabia pegar nas enxadas, hoje a gente pega na caneta”, diz, sorridente, a idosa-menina, que se autoelogia ao comentar que ninguém faz farinha de mandioca melhor do que ela.
A estudante relata que, quando parou de estudar na infância, esqueceu tudo e não aprendeu a escrever nem a ler.
“Minha mãe chegava tão cansada do serviço e eu ficava triste por isso. Acabei deixando a escola e me dedicando em casa. Fiquei nervosa, começava a chorar, porque eu pegava um livro que tinha lá, tentava, mas depois deixava para lá”, diz Dona Amara com as memórias visíveis nos olhos.
Carimbó, foice e suor
A estudante participou da Mostra de Quadrilhas organizada pela Secretaria Municipal de Educação de Maceió (Semed), em junho, e chamou a atenção por sua alegria e disposição ao dançar carimbó, uma dança folclórica brasileira trazida por negros escravizados no século XVII, que foi mesclada com influências indígenas e europeias.
A dança é realizada em pares e com a maioria dos movimentos em forma de giro. A palavra carimbó vem do tupi Korimbó, que significa “pau que produz som”.
“Eu gostei que só de dançar carimbó, me senti tão especial. Dancei umas quatro partes. Dancei lá com uma saia grande. Eu já danço guerreiro, pastoril. Quando eu era pequena meu pai não me deixava sair, e eu ia mesmo assim só pra dançar”, diz ela, abrindo um sorriso de sol, como quem expressa que vai aprontar.
Dona Amara tem baixa estatura, cabelos grisalhos, um semblante de entusiasmo, como quem esconde no sorriso fácil as dores e as angústias de sua humanidade. Nasceu em Água Preta (PE), no dia 4 de outubro de 1945, e se mudou com a família ainda criança para Colônia Leopoldina, interior de Alagoas.
Sua mãe era empregada doméstica e seu pai agricultor, cujo trabalho na roça ensinou para seus filhos, inclusive para Amara. A estudante da EJAI conta que passou a infância e a adolescência na roça, sob a foice e o suor, e ajudando sua mãe com os afazeres domésticos em casa, como também cuidando de seus cinco irmãos.
“Quando eu passava com a enxada, a foice e as roupas para cortar cana, os trabalhadores viam aquilo e me achavam danada, porque realmente eu fazia tudo, era engraçado. E toda vez que eu estava em casa meu pai sempre perguntava se eu ia trabalhar na roça ou não, ele que me ensinou a plantar mandioca e tudo. Antes de sair eu me benzia e ia”, relata Dona Amara.
Fé em Deus
Aos 21 anos, a jovem que ainda não sabia escrever seu nome, decidiu casar-se porque, segundo ela, teria mais liberdade e ajudaria os pais.
“Foi meu primeiro namorado, meu primeiro noivo, marido, tudo. Nunca arranjei ninguém”.
Dona Amara e seu marido vieram morar em Maceió e tiveram 11 filhos, uma morreu em Recife, e os outros trilharam caminhos diferentes.
Ela conta que sofreu muito com seu marido porque ele era alcoólatra.
“Tinha hora que ele queria me bater, me confrontar, mas como eu tinha pulso firme eu acabava o enfrentando”, afirmou.
Anos depois, seu marido faleceu devido a problemas cardíacos.
“Lembro até hoje quando ele foi parar no hospital, botou o marcapasso e voltou para a casa para passar o Dia dos Pais com a família, teimoso. Algumas horas depois ele passou mal. Levamos ele para o HGE [Hospital Geral do Estado], mas no meio do caminho ele não resistiu”, suspira Dona Amara, após relatar o ocorrido.
Porém, todas essas situações não abalaram Dona Amara.
“Sou romeira, viu?! Acredito muito em Deus”, enfatiza, com uma voz de valentia. Atualmente, Amara Gomes Andrade da Silva é dona de casa, mora há décadas no bairro do Jacintinho, em uma localidade próxima à subestação, com sua filha, sua neta de 10 anos e mais duas pessoas.
Resgate de um sonho
Há um ano, Dona Amara insistiu no sonho de aprender a escrever seu próprio nome na sala de aula da rede pública de Maceió. O interesse em voltar a estudar surgiu quando soube que sua filha adulta, chamada Sandra, também estava voltando para a escola, na EJAI.
“Meu menino mais velho, que trabalha com gesso, me disse que a Sandra ia voltar a estudar. Aí eu fiquei animada, inspirada, e isso me motivou a ir até a escola Lenilto. Quando eu cheguei lá na escola, me ajudaram a colocar meu nome para a matrícula, porque eu não sabia preencher ficha nenhuma, nem assinar nada”, explica Amara.
“Mãe, não vá na onda do Sé não, vá simbora”. Foi essa frase que o filho mais novo de Amara disse quando o mais velho opinou que não gostou da ideia da mãe voltar a estudar.
A estudante, então, ouviu sua intuição e até agora faz o 1° período da EJAI, a turma da professora Alineide Maria Lima.
“Gosto muito da diretora, da professora, de todo mundo aqui. A gente se ajuda em tudo”, relata Dona Amara, contando que viveu momentos lindos na escola, como a ida pela primeira vez à praia e ao museu, em Marechal Deodoro.
“Eu e meus colegas de turma fomos à Praia do Saco, foi lindo. Também conhecemos um museu lá em Marechal. Aqui a gente também tem momentos de lazer”.
A rotina de Dona Amara está mais tranquila hoje em dia. Ela acorda cedo, prepara o café, não lava mais roupa porque, segundo ela, já tem uma máquina que faz isso. Todo dia ela vai na casa de uma vizinha, que teve um derrame, para ajudá-la. Depois volta para casa, se organiza, pega os materiais escolares e vai para a escola à noite.
Após as aulas, ela volta para casa e passa o resto da noite fazendo as tarefas da escola.
“É a realização de um sonho voltar a estudar. É bom demais. Gosto muito da merenda, às vezes nem como em casa para poder comer aqui. As salas todas muito bem estruturadas, material e mobília nova, as salas são fresquinhas. Quando a gente chegou aqui não tinha essas cadeiras novas, hoje tem. Chegou tudo novo, uma bênção. Meu conselho para quem quer voltar a estudar é que vá, não desista, nunca é tarde para aprender, sempre tem uma chance”, vibra Dona Amara.
Motivação
A diretora da Escola Lenilto Alves, Renilda Lopes, se emociona quando fala sobre Dona Amara e os cerca de 35 idosos da unidade.
“Dona Amara é um presente para Lenilto. Uma pessoa de 78 anos que não falta um dia de aula, que está sempre disposta, feliz, alegre, satisfeita. Ela consegue fazer com que nós cada dia lutemos pela EJAI, que aconteça dentro da rede municipal, e que se evidencie na Educação. Quando ela chega é um exemplo, quando ela passeia na escola sempre está com um sorriso no rosto, nunca triste, e isso faz a diferença na vida da gente”, diz Renilda.
A escola atende mais de 600 alunos do 1° ao 5° anos do ensino fundamental e a EJAI. Para Renilda, o momento de lazer misturado com a educação é o que movimenta a vida escolar desses estudantes.
“Além do estudo, só a integração, o lazer e a inclusão motiva eles a continuarem na escola. Um passeio, um momento de dança, ginástica, esportes. Inclusive, Dona Amara é a que mais participa das danças. Teve uma vez que ela passou horas fazendo aulas de educação física e ensaiando para a Mostra, ficamos impressionados. Então é o momento do lazer misturado com a educação, aquela mistura gostosa que faz com que a educação seja aquela educação viva, eficaz, bonita”, declara a diretora.
Para o coordenador da Coordenadoria de Educação de Jovens, Adultos e Idosos da Semed, Ricardo Almeida, a EJAI é uma modalidade que resgata esses direitos dos estudantes que não aprenderam a ler e a escrever na idade certa.
“Para a gente é uma grande relevância essa superação desses estudantes, muitas vezes os nossos idosos têm dificuldade de enxergar por causa de alguns problemas na vista, mas quando eles conseguem a gente vê um brilho no olhar. É muita superação, além do cansaço do dia a dia, mas para alguns é uma terapia, porque está todo mundo em conjunto, unido para um propósito”, enfatiza Ricardo.
Ele também destaca a importância dos projetos e programas voltados para essa comunidade, especialmente o programa “A Escola Vai Até Você”.
“Esse programa leva para próximo da casa deles esse fomento à leitura e à escrita. E com o programa podemos abrir possibilidade perto de suas casas. Foi possível ver que eles saíram lendo e escrevendo em seis meses. Isso é para que eles consigam ser pessoas letradas, que haja a diminuição do analfabetismo, como também a presença dos alunos nas escolas municipais”, concluiu.
Fonte: Ascom Semed / texto: Jamerson Soares