Maceió, AL

30°C
Clear sky

Mais importante do que ufanismo, momento é de reflexão e estudo

Neste 7 de Setembro - data do Bicentenário da Independência - escritor e jornalista Laurentino Gomes desconstrói mitos e fala do Brasil real
“Independência ou Morte”, quadro de Pedro Américo é uma das atrações do Museu do Ipiranga, em São Paulo, que será reinaugurado neste 7 de Setembro (foto: Rovena Rosa - Agência Brasil)

“Mais importante do que comemoração ufanista, é um momento de reflexão, de estudo”. É o que propõe o jornalista e escritor Laurentino Gomes, por ocasião do Bicentenário da Independência (1822 – 2022), celebrado nesta quarta-feira, 7 de Setembro. Autor dos consagrados livros 1808, 1822, 1889 e da trilogia Escravidão, ele concedeu entrevista ao Programa Nova Manhã, da Nova Brasil FM, e falou do Brasil real e sobre aquele pintado por Pedro Américo no quadro “Independência ou Morte”, que retrata uma visão romantizada, que não corresponde à realidade.

A obra, aliás, é uma das atrações do Museu do Ipiranga, em São Paulo, que será reinaugurado nesta quarta (7) e reaberto ao público na quinta-feira (8), depois de quase 10 anos fechado.

PUBLICIDADE


“É bem importante a gente olhar para trás, como o pé no chão, sem ilusões, sem premissas falsas, sem autoengano, porque isso vai nos fazer um país mais maduro, mais consciente do que de que fato nós somos”, sustenta Laurentino Gomes.

De acordo com ele, o quadro de Pedro Américo retrata um Brasil branco, europeu, masculino e imperial, em contraste com a realidade das ruas, onde reinavam a pobreza, o analfabetismo e a escravidão.

No Brasil de 1822, de cada 100 brasileiros, apenas um sabia ler e escrever. A concentração de riqueza se estabelecia por meio do latifúndio, dentro do maior território escravista da América.

Laurentino: “É bem importante a gente olhar para trás, como o pé no chão, sem ilusões, sem premissas falsas, sem autoengano, porque isso vai nos fazer um país mais maduro” (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Marco do fim da colonização portuguesa no Brasil, o quadro de Américo mostra Dom Pedro I garbosamente montado sobre um belo cavalo, erguendo a espada e declarando a independência do Brasil, acompanhado por apoiadores, às margens do Rio Ipiranga, em 7 de setembro de 1822.

“A cena real é muito diferente: o Dom Pedro estava montado numa mula, um animal de carga, que era a forma correta de subir a Serra do Mar. Ele estava com dor de barriga, porque havia comido alguma coisa estragada no dia anterior, em Santos. A sua guarda de honra era composta de sertanejos do Vale do Paraíba, pessoas relativamente simples, ou seja, essa é uma cena mais brasileira do que essa outra que é uma alegoria, uma projeção. E quando a gente fica só no mito, nós acabamos entrando num projeto de autoengano, de fingir que somos uma coisa, quando na verdade nós éramos outra”, observa.

Laurentino recorda que à época, as pessoas ainda não se reconheciam como brasileiros, mas apenas como paulistas, pernambucanos, baianos, maranhenses… Destaca, entretanto, que a ideia de identidade nacional brasileira começa a ser construída, de fato, a partir da chegada da Corte Real Portuguesa, em 1808, e da Independência, em 1822.

“Aí que começa a se ter uma noção desse país grande, integrado e de dimensões continentais que nós temos hoje”.

Ordem social mantida

Apesar do grito de independência, o Brasil não rompeu com a ordem social vigente. Manteve-se inalterado o quadro de analfabetismo, de concentração de terras e de escravidão.

Citando a tese do historiador Sérgio Buarque de Holanda, Laurentino reafirma que o medo de uma guerra civil republicana – a exemplo do que estava acontecendo com a América Espanhola – e de uma guerra étnica como a ocorrida no Haiti em 1791 e 1792, funcionou como um amálgama no processo de independência do Brasil.

“A soma desses dois medos fez com que a elite brasileira, que tinha muito a perder, optasse por uma solução conservadora: manteve o herdeiro da Coroa de Portugal no trono, manteve a monarquia por mais 67 anos, e não mudou em nada. Nasceu um pacto entre o Trono Brasileiro e a aristocracia rural escravista. Um apoia o outro e um não mexe nos interesses do outro. E não é por acaso que quando esse pacto deixou de existir com a Lei Áurea de 1888, o edifício desabou: no ano seguinte, veio a República”, explica.

Além da trilogia Escravidão, Laurentino Gomes é autor de 1808 e 1822 (foto: Severino Carvalho)

O jornalista e escritor ressalta que é muito importante estudar a história para descontruir, desmontar os mitos que foram feitos no passado. Para ele, não se estuda a matéria apenas com um viés de curiosidade, em busca de personagens e acontecimentos pitorescos do passado, mas para entender o que somos hoje.

“História é uma ferramenta de construção de identidade. E, às vezes, essa identidade é imposta de cima para baixo, para justificar as estruturas de exploração, de poder, de um grupo social sobre o outro. Quando a gente fala num Brasil que perde oportunidades, que tem grande dificuldades de caminhar em direção ao futuro; esse Brasil que não acontece, o Brasil que está longe de ser o Brasil que a gente gostaria que fosse, é resultado da nossa história, da jornada que percorremos até aqui”, pondera.

“Eu não estou dizendo assim que a história do Brasil é banal, que nós não deveríamos nos orgulhar dela; claro que tem coisas importantes: o Brasil nunca mergulhou numa guerra civil como a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos, em que 700 mil pessoas morreram para que a abolição acontecesse e o país continuasse unido. Existem coisas importantes que o Brasil conquistou no passado, como, por exemplo, a unidade territorial, que é motivo de orgulho. Mas também não precisamos ficar nos enganando a respeito dos nossos defeitos, das nossas dificuldades que nos trouxeram até aqui, porque são desafios que continuam a se apresentar para nós no futuro”, conclui.