Pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) estudam maneiras de recuperar a população do uru-nordestino, ave plantadora de floresta que está em extinção. Os estudos na Reserva Biológica de Pedra Talhada, em Quebrangulo, tiveram início em 2018, quando o Laboratório de Biotecnologia e Conservação de Aves Neotropicais (Labecen) da Ufal, coordenado pelo professor Márcio Efe, registrou o animal pela sua vocalização.
De acordo com os pesquisadores, a recuperação populacional do uru-nordestino será de suma importância para a manutenção dos serviços ecossistêmicos da floresta, particularmente da Reserva Biológica de Pedra Talhada.
Segundo eles, o desaparecimento pode comprometer a manutenção dos serviços ecossistêmicos realizados pela floresta, o que diminuirá a capacidade de regeneração das matas onde vive.
Isso porque a ave se alimenta principalmente de frutos. Assim o uru-nordestino tem um papel importante na recuperação das matas por dispersar sementes. Além disso, contribui para o controle de insetos e adubação do solo com suas fezes.
Segundo Márcio Efe, logo no início das pesquisas não havia objetivo de estudar mais profundamente a subespécie, mas, desde então, a equipe do Labacen realiza incursões esporádicas em busca da ave na reserva.
Durante esse período, os pesquisadores viram e ouviram um indivíduo apenas uma vez. Recentemente, após assumir a articulação de algumas ações do Plano de Manejo Populacional (PMP) em Alagoas, a equipe do Labecen se dedica mensalmente à busca pela espécie.
A recuperação populacional do uru-nordestino será de suma importância para a manutenção dos serviços ecossistêmicos da floresta, particularmente, a Reserva Biológica de Pedra Talhada.
“Essa reserva tem um papel crucial na manutenção e na produção da água que é utilizada pelos vários municípios que estão ao seu redor. Além de outros benefícios como a regulação do clima, sequestro de carbono, conservação do solo e manutenção dos ciclos de chuva”, alertou o professor. Inclusive, ele faz uma conexão com os recentes episódios de queimada na Floresta Amazônica.
A ideia é que, no futuro, as pesquisas realizadas pela equipe da Ufal possam subsidiar a criação da ave sob cuidados humanos. Isso, segundo o pesquisador, vai ampliar a quantidade de indivíduos que poderão ser soltos em outras florestas de Alagoas. Essa possibilidade se concretizando, resultará no aumento da conservação desses ecossistemas.
Planos de ação
Por estar ameaçado, o uru-nordestino faz parte de diversos planos de ação para sua conservaçã. Com a participação de vários especialistas, estão sendo construídos e executados dois Planos de Ação Nacional para Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção (PAN): o Aves da Caatinga e o da Mata Atlântica.
Na Reserva Biológica de Pedra Talhada, a equipe do Labecan conta com 11 alunos envolvidos em diversos projetos de pesquisa que se ajudam e se revezam na busca pela espécie na região.
O recém-concluinte de mestrado, Rawelly de Oliveira Gonçalves, é o mais experiente e o único que registrou a ave. Ele foi aluno do Programa de Pós-graduação em Diversidade Biológica e Conservação dos Trópicos, do Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde (ICBS) da Ufal, e desenvolveu um trabalho de pesquisa com aves seguidoras de formiga.
Parte do trabalho, Rawelly Gonçalves fez em Pedra Talhada. No dia do registro da ave, ele estava com duas amigas, também do mestrado da mesma linha de pesquisa.
Playback do uru
O trio percorria um fragmento de mata em busca das aves que seguem formigas. Eles tinham conhecimento do histórico de Quebrangulo ter uma população de uru-nordestino e, sempre que chegavam em um ambiente favorável do uru-nordestino, reproduziam o canto, por meio de gravações de áudio.
“A gente estava voltando de campo, em cima de uma grota, e a gente acabou reproduzindo o playback do uru e, por surpresa e não muito rápido, a ave respondeu. De início eu não acreditei, mas ela continuou respondendo e aí foi caindo a ficha”, contou.
A forma mais rápida encontrada por Rawelly para registrar o momento foi gravando. O grupo desceu a grota a fim de tentar encontrar o indivíduo que estava vocalizando.
“Chegando lá, a gente conseguiu visualizar a ave. Só que estava chovendo, já estava bastante escuro e a nossa chegada acabou por espantá-la. Depois disso, não a vimos mais, mas a gente conseguiu o registro de áudio, conseguiu ver, mas não conseguiu registrar em fotografia”, comentou.
Desde então, Rawelly vai à reserva todo mês para tentar rever o animal e dar continuidade aos estudos da história de vida da ave em Pedra Talhada.
Geralmente, as estratégias de conservação levam muito tempo para surtir efeitos concretos de recuperação populacional. No caso do uru-nordestino, segundo o professor Efe, ainda são incipientes e estão na fase de construção de conhecimento, pois ainda não se tem informações suficientes sobre as populações remanescentes na natureza, além de não ter completamente o domínio das estratégias de desenvolvimento de populações da subespécie sob cuidados humanos.
O coordenador do Labecen explica que, atualmente, a população de uru-nordestino sob cuidados humanos, consiste em apenas três indivíduos que se encontram no Zoológico Parque das Aves.
Em abril de 2022, em parceria com a ONG Aquasis, o Parque das Aves recebeu e abrigou cinco indivíduos da subespécie, sendo três machos e duas fêmeas.
O bando foi monitorado e posteriormente foi observada a construção de ninho, mas não foram colocados ovos. É válido destacar que a reintrodução na natureza está prevista no Plano de Manejo Populacional, mas sem data determinada.
Quem é o uru-nordestino
O uru-nordestino, Odontophorus capueira plumbeicollis, ave da família Odontophoridae, lembra uma codorna. A ave vive no chão da floresta, faz ninhos no solo dentro de um buraco construído com folhas secas.
Alimenta-se, principalmente, de sementes e frutos caídos no chão, mas também come insetos e artrópodes. Por isso, é facilmente caçado ou predado por cachorros vagando na floresta.
A destruição do seu ambiente também ameaça a subespécie e o contato com aves domésticas podem trazer doenças. Todas essas ameaças levam ao declínio populacional contínuo e fazem desaparecer as populações locais.
Ela mede em torno de 24 centímetros e pesa de 400 a 460 gramas. Tem plumagem rajada no dorso e uma máscara laranja ao redor dos olhos. O uru-nordestino tem a plumagem ventral acastanhada, o que o difere da plumagem ventral acinzentada do uru-do-sudeste.
A população conhecida é muito pequena. Estima-se não ultrapassar 250 indivíduos reprodutores. A maioria das aves está concentrada na Serra de Baturité, no Ceará.
Por essas condições, a espécie é considerada tecnicamente como ameaçada na categoria Criticamente em Perigo (CR), na lista oficial do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O pesquisador Efe conta que, como forma de valorizar ainda mais a importância regional, a ave, antes conhecida como uru-do-nordeste, passou a ser chamada de uru-nordestino.
É encontrada no Nordeste do Brasil com poucos registros conhecidos na Serra de Baturité (CE) e na Reserva Biológica de Pedra Talhada, na região do município de Quebrangulo.
Cientificamente, ainda é considerada uma subespécie do uru-do-sudeste, que ocorre na Mata Atlântica da Bahia para baixo e na fronteira com o Paraguai e a Argentina. De acordo com os pesquisadores, a população do Nordeste Setentrional apresenta características morfológicas diferentes. Em breve, deverá ser reconhecida taxonomicamente como uma espécie válida.
Por isso, um dos objetivos do Plano de Manejo Populacional é ampliar o engajamento público na conservação do uru-nordestino e de seu habitat. As áreas onde ocorrem as últimas populações de vida livre dessa ave são Unidades de Conservação, ou seja, protegidas por lei.
No entanto, precisam de mais fiscalização e estratégias eficientes contra as principais ameaças. As ações de conservação para o uru-nordestino têm o objetivo de estabelecer populações saudáveis, genética e demograficamente viáveis na sua área de distribuição histórica.
Com texto de Fabiana Barros / Ascom Ufal