Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 22% dos 31 milhões de brasileiros que vivem em áreas rurais possuem saneamento básico adequado. Sem rede coletora, a maioria das unidades habitacionais conta apenas com fossas rudimentares, em que o esgoto é depositado em buracos abertos no solo. Os efluentes sem tratamento acabam se infiltrando e contaminando o lençol freático e outros corpos d’água utilizados como fonte para o consumo humano.
Uma solução sustentável, que utiliza o processo de tratamento e de reuso agrícola do esgoto sanitário para o cultivo de banana e de mamão, pode ajudar a mudar esse cenário no campo. São as fossas agroecológicas, também conhecidas como fossas verdes. Em Alagoas, uma comunidade rural e quatro escolas localizadas nos municípios de Penedo, Piranhas, Igreja Nova e Pão de Açúcar já contam com o sistema.
No Sítio Nazário, em Penedo, 74 famílias foram beneficiadas com a instalação das fossas agroecológicas, por meio de um projeto financiado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Durante a 4ª edição da Expedição Científica do Rio São Francisco, no ano passado, escolas de Penedo, Piranhas, Igreja Nova e de Pão de Açúcar também receberam os equipamentos.
Coordenando os trabalhos de instalação das fossas agroecológicas, esteve à frente o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Eduardo Lucena, engenheiro civil com mestrado e doutorado em hidráulica e saneamento pela USP. De acordo com ele, a próxima escola que receberá o equipamento, este ano, fica no município de São Braz. A instalação ocorrerá durante a 5ª edição da Expedição Científica do Rio São Francisco.
“Durante a Expedição, percebemos a grande deficiência que existe dentro das comunidades rurais de sistemas de tratamento adequados. Muitas pessoas, culturalmente, não querem dentro da sua propriedade uma fossa rudimentar, simples. Elas alegam que ocupam espaço. E nessa concepção da fossa agroecológica, a gente agrega diversos valores ambientais, sendo, um deles, a questão do cultivo”, destacou Eduardo Lucena.
As fossas agroecológicas consistem em dois sistemas: o primeiro é o de bacias de evapotranspiração, que recebem as águas escuras, aquelas oriundas dos vasos sanitários; e o segundo que funciona de forma independente. São os círculos de bananeiras. Este sistema recebe as águas cinzas, provenientes de chuveiros e pias.
“Esse círculo de bananeiras consiste de uma escavação onde se plantam, ao redor, as bananeiras para fazer a absorção desse esgoto sanitário, tornando-o nutriente para o crescimento do vegetal”, explica Lucena, ressaltando que raízes e hortaliças não podem ser cultivadas porque entram em contato diretamente com os resíduos. No projeto, são plantadas bananeiras, cujos frutos não tocam o solo, a exemplo do mamão.
Elementos constitutivos
O professor explica que no primeiro sistema, responsável pelo tratamento das águas escuras, são empregadas as bacias de evapotranspiração. Na concepção delas, faz-se o preenchimento com material de demolição (metralhas) e pneus inservíveis, componentes usados no tratamento e reuso do esgoto sanitário.
“Trata-se de uma solução bastante sustentável, de baixo custo, que promove o reuso de materiais inservíveis que estão causando impactos ambientais, porque a gente tem observado que os resíduos de demolição são lançados nos leitos de nossos rios e riachos, assim como os pneus inservíveis”, pontua.
“Já nos círculos de bananeiras, que recebem as águas cinzas, oriundas de pias, cozinhas, a gente utiliza resíduo de poda e capina dentro do sistema para poder auxiliar no processo de tratamento”, acrescenta.
Políticas públicas
O professor defende que tecnologias sociais, a exemplo das fossas agroecológicas, sejam implantadas de forma mais intensiva por meio de políticas públicas voltadas ao saneamento rural para se promover o tratamento e reuso adequados do esgoto sanitário e gerar renda e segurança alimentar às comunidades.
Ele acredita que o sistema de fossas agroecológicas pode ajudar o país a atingir as metas estabelecidas pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico, no tocante à universalização dos serviços de esgotamento sanitário.
“Há uma grande dificuldade de se pensar em saneamento em áreas rurais, ou dispersas, que têm casas muito afastadas da zona urbana. Então é uma grande possibilidade de se estender, de se universalizar esse eixo do saneamento básico para aquelas comunidades que precisam e, consequentemente, contribuir para a preservação ambiental”, avalia.
Outro ponto positivo da instalação de fossas agroecológicas em comunidades ribeirinhas, por exemplo, é o benefício direto ao Rio São Francisco, que deixaria de receber efluentes sem tratamento das unidades habitacionais próximas de suas margens.
Dados do Diagnóstico da Situação do Saneamento Básico, elaborado pelo Instituto de Gestão de Políticas Sociais (Gsois), apontam que dos 507 municípios da Bacia do Rio São Francisco, apenas um (Lagoa da Prata – MG) trata 100% o esgoto. Outros 150 lançam os efluentes diretamente no Velho Chico.
“A implantação das fossas agroecológicas vem a contribuir para se ter um destino e o reuso adequados do esgoto sanitário produzido pela comunidade ribeirinha, deixando de lançá-lo no São Francisco, evitando os impactos ambientais e econômicos ao rio”, finalizou.