Dados apontam que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo e essa realidade de violência praticada contra a comunidade LGBTQI + vem cada vez mais ocupando espaços de debate na sociedade. O resgate de uma história de vida, permeada por muitos desafios, mas também com realidade de celebração, foi o foco do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do recém – graduado Jamerson dos Santos Soares, do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
O TCC, que resultou em uma reportagem em jornalismo literário, foi apresentado no dia 22 de setembro, e teve como título O voo de Paloma: retrato de Paloma Marques, mulher transexual alagoana, carnavalesca e ícone dos anos 90 com trajetória na arte e cultura locais.
Paloma tem 60 anos, nasceu no município de São Miguel dos Milagres e morou por mais de 20 anos em Porto de Pedras, litoral norte de Alagoas. Talentosa, declara-se mulher trans e segue atuante nas suas múltiplas habilidades para o mundo das artes.
Paloma é cantora, dançarina, costureira, estilista, decoradora de pousadas e foi da equipe da alagoana Vera Arruda, já falecida. Trabalhou também como assistente de palco no programa de auditório Pell Marques, exibido na antiga TV Alagoas.
Mas, nesse mundo da arte, com talento reconhecido, há muitos desafios em sua história de vida. Em sua trajetória marcante de vida foi também circense, uma escolha para conquistar o mínimo de liberdade.
Por sofrer muito com os abusos, violências psicológicas e físicas em seu ambiente familiar e no convívio social, encontrou como única saída fugir com a trupe de um circo que chegou na cidade em que morava.
“A reportagem de Jamerson é importante para a comunidade LGBTQIA+ porque coloca no centro da história, Paloma, uma mulher transexual alagoana que chega aos 60 anos celebrando a vida. Isso tem que se tornar a regra, não a exceção. Somos um país que ‘acostumou’ a ver pessoas da comunidade LGBTQIA+ serem assassinadas ou sofrerem todo tipo de violência. O voo de Paloma traz uma nova história e precisamos, cada vez mais, da construção de narrativas sobre pessoas LGBTQIA+ que não sejam de violência. Nisso, o jornalismo e a arte, a exemplo do cinema, são fundamentais”, destaca a professora Janaya Ávila, orientadora do trabalho.
Resgate
Sobre a escolha do tema para desenvolver o trabalho como conclusão da graduação em Jornalismo, profissão abraçada com amor e dedicação, onde já atua, Jamerson diz que foi a partir de uma foto feita pelo fotógrafo alagoano Celso Brandão.
“Eu me interessei em realizar o trabalho depois que vi o retrato de Paloma em 2019, em uma rede social chamada Pinterest. A foto tinha a seguinte legenda: ‘Paloma, travesti, 1993. Por Celso Brandão’. A partir disso, algo me inquietou para saber quem era Paloma por trás do retrato, quem era a pessoa da foto, o que ela fazia, no que trabalhava, se ainda estava viva, ouvir suas memórias e trajetória, como também me interessei em saber sobre a história do retrato e em quais circunstâncias ele foi feito”.
Ao destacar que a reportagem feita é sobre autoafirmação, amor e liberdade, Jamerson disse que o principal objetivo foi descobrir quem era a pessoa do retrato e sobre sua trajetória, como também, como se deu o encontro dos acasos para composição da foto.
“O meu interesse em abordar a temática é porque há um apagamento das histórias e existências de pessoas trans em Alagoas e no Brasil, e eu queria que essa história do meu TCC fosse contada para contribuir com a memória alagoana e com a comunidade LGBTQIA+ no Estado”.
Na dura realidade existente onde a violência acomete, rotineiramente, esse universo, o pesquisador enfatiza que a reportagem também é uma espécie de denúncia em prol dessa comunidade, assim como, despertar nas pessoas do quanto é necessário contar histórias dessas existências.
“No país que mata mais travestis e transexuais no mundo, onde há registro de que muitas travestis e transexuais não chegam aos 35 anos de idade e são assassinadas ou violentadas, chegar aos 60 anos de vida, a idade que Paloma está, é pura resistência e motivo de alegria. Por isso, é importante que essas vidas sejam lembradas e registradas na história”, afirma Soares.
Outras histórias
Na reportagem realizada Jamerson conta também a história de algumas pessoas trans, a trajetória e a fundação do movimento LGBT em Alagoas e dados oficiais sobre a comunidade trans no Brasil, no Nordeste e no mundo.
Reforça que o trabalho que desenvolveu é importante para a comunidade LGBTQI + porque há muito tempo essa população, especialmente, as mulheres trans e travestis, vem sofrendo um apagamento.
“Esse apagamento se estende tanto no campo memorialístico e cultural quanto nas instituições públicas. É no sentido de trazer mais à tona a discussão sobre essa problemática que o trabalho foi feito”.
Além disso, o pesquisador diz que, a existência de uma mulher trans está sendo relatada para ficar na memória alagoana, coisa que vem sendo feita de forma preconceituosa e errada até pela própria mídia.
“Não vejo na imprensa tradicional as histórias de grandes personalidades LGBTQIA+ ou que fizeram muito pela comunidade em Alagoas sendo contadas, registradas”.
Aproveita para destacar que um exemplo disso ocorreu no próprio processo de apuração para seu trabalho, onde não encontrou nada sobre Paloma e o seu retrato em matérias de jornais, sites ou livro. Não havia nenhum registro, apenas uma curta informação sobre ela, mas ainda assim não era algo mais detalhado.
“Pessoas LGBTQI+ se sentem representadas e adquirem referências quando leem ou sabem mais sobre a história de alguém que foi um ícone local. E quando digo ‘ícone’, não falo de uma forma superficial, mas, sim, no sentido de que aquela pessoa lutou bastante antes no início para que outras pessoas atualmente pudessem caminhar livremente nas ruas. O meu trabalho também discute a importância da fotografia, do retrato, e a sua relação com a legitimação da identidade social de uma pessoa”, diz.
A temática abordada, a partir de uma foto, despertou o interesse para o desenvolvimento do trabalho porque há um apagamento das histórias e existências de pessoas trans em Alagoas e no Brasil.
“Eu queria que essa história do meu TCC, uma reportagem em jornalismo literário, fosse contada para contribuir com a memória alagoana e com a comunidade LGBTQIA+ no Estado. A foto de Paloma tem uma alta carga poética e dramática, prende o olhar do espectador e isso me cativou”.
Para conhecer a reportagem completa acesse o link.
Fonte: Ufal / Diana Monteiro – jornalista