No Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, assinou o decreto que amplia a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais. Localizada entre os litorais de Alagoas e Pernambuco, a maior unidade de conservação (UC) costeiro-marinha do país ganhou mais 89.442 hectares e agora conta com uma área total de 495.084 ha.
A comunidade científica ouvida pelo Alagoas Notícia Boa (ALNB) celebra a ampliação da APA Costa dos Corais. Os especialistas reconhecem a medida como um avanço significativo para a conservação ambiental e a pesca artesanal.
Entretanto, apesar da aprovação unânime, também destacam desafios importantes, especialmente em relação à fiscalização da nova área protegida, que agora se estende até regiões de mar profundo.
Criada em 1997 por decreto presidencial para conservar os recifes de corais e garantir a pesca artesanal e o turismo sustentável, a APA ganhou novos contornos que agora incluem áreas profundas, como paleocanais e a quebra da plataforma continental, habitats essenciais para a reprodução de espécies marinhas de alto valor ecológico e econômico.
A expansão foi discutida pela comunidade científica e a sociedade civil organizada em consultas públicas realizadas em abril. Saiba mais aqui.
A área ampliada será incorporada ao Plano de Manejo da UC, administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Entre as atribuições listadas no decreto está a promoção de programas de educação ambiental, turismo ecológico e incentivo à extensão rural voltada à pesca artesanal e ao saneamento básico.
Além disso, o decreto incentiva o reconhecimento de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), regulamentadas pelo Decreto nº 5.746, de 5 de abril de 2006, junto aos proprietários cujas áreas se encontrem próximas à APA.
O decreto também restringe a implantação de atividades salineiras e industriais potencialmente poluidoras, bem como a pesca com embarcações de médio porte (acima de 20 arqueações brutas) e intervenções em ambiente de praia sem a autorização do ICMBio.
Correção de erro histórico
Coordenador do Projeto Meros do Brasil e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Cláudio Sampaio lembra que a APA Costa dos Corais, embora seja a maior área marinha protegida costeira do Brasil, anteriormente não abrangia as áreas onde ocorrem agregações reprodutivas de peixes em recifes profundos.
“A ampliação cobre agora zonas críticas para espécies (de peixes) como a caranha e dentão, que se reúnem para reprodução apenas em determinados períodos, tornando-se vulneráveis à pesca. Também proíbe a pesca com embarcações acima de 15 metros, atividades industriais, salinas e o lançamento de esgotos, o que contribui diretamente para a qualidade de vida dos moradores e turistas da região”, afirma.
Sampaio lembra que a Ufal participa do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), monitorando recifes, peixes, tartarugas, peixes-boi e aves marinhas. Os dados são essenciais para a gestão sustentável da APA.
O professor Mauro Maida, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ressalta que estudos iniciados nos anos 2000 já apontavam a importância dos paleocanais — formações geológicas submersas — para a biodiversidade marinha.
“Esses canais, formados quando o nível do mar era muito mais baixo, criam uma tridimensionalidade que concentra os peixes. Durante o período reprodutivo, ocorrem grandes agregações nessas áreas, chamadas de ‘arribadas’ pelos pescadores, o que torna esses locais extremamente sensíveis”, explica o professor.
Ele observa ainda que essas áreas estavam originalmente fora dos limites da APA, o que permitia a ação da pesca industrial e predatória. A ampliação, segundo Maida, corrige esse “erro histórico”.
Avanço na proteção
Para o professor Clemente Coelho, da Universidade de Pernambuco (UPE) e cofundador do Instituto BiomaBrasil, a ampliação representa um avanço na proteção de espécies que fazem a conectividade entre o oceano profundo e a zona costeira.
“Espécies de peixes vermelhos se agregam na quebra do talude para reprodução. Essas áreas, agora protegidas, são fundamentais para garantir a produção pesqueira”, considera.
Ele faz, no entanto, um alerta: “Será necessário investir fortemente em ações de fiscalização, pois estamos falando de áreas distantes da costa, o que exige uma logística mais complexa”, ponderou.
Já o coordenador do Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste (Cepene/ICMBio), Leonardo Messias, ressalta o impacto positivo da ampliação na pesquisa científica e na conservação.
“Com a ampliação, podemos proteger territórios pesqueiros pertencentes à pesca artesanal e também estender a proteção para ambientes recifais mais profundos. Isso garante, por exemplo, a proteção das áreas conhecidas como ‘barrancos’ e ‘paredes’, onde ocorrem agregações de caranhas, ciobas e dentões”, explicou.
Messias também afirma que a ampliação fortalece o Plano de Ação Nacional para Conservação dos Ambientes Coralinos (PAN Corais), reforçando o papel da APA como uma área estratégica.
Ponto de atenção
Roberta Carvalho, bióloga e assessora de promoção turística e sustentabilidade do Costa dos Corais Convention & Visitors Bureau (CCC&VB), também celebra a ampliação da unidade.
“Essa área sempre foi muito importante para a reprodução dos peixes e era constantemente explorada pela pesca industrial. Agora, com a proteção, há a expectativa de melhorar as condições para as comunidades pesqueiras e frear a degradação”, pontuou.
Ela também observa, no entanto, que a fiscalização continua sendo um ponto de atenção. “É uma área extensa e precisa de estrutura adequada para monitoramento e controle”, defendeu Roberta, ex-gestora da APA Costa dos Corais.
Reforço na Fiscalização
Maila Aguiar é a chefe do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) Costa dos Corais, responsável pelas unidades de conservação APA Costa dos Corais e Reserva Biológica de Saltinho, em Tamandaré (PE). Ela também considera que a ampliação corrige um erro cartográfico na delimitação original da unidade.
“Essas áreas já haviam sido identificadas como prioritárias em diversos estudos. Agora, com a ampliação, a pesca industrial será proibida em mais 89 mil hectares, beneficiando diretamente a pesca artesanal em Alagoas e Pernambuco”, destaca.
Ela informa que o ICMBio já conta com novos recursos para fiscalizar a área, como uma lancha para navegação em alto-mar e o uso do sistema PREPS, que permite monitoramento remoto das embarcações.
“Esse ano a gente adquiriu uma lancha que é para navegar em alto-mar, que vai ajudar bastante a gente nessa fiscalização. Com o Preps a gente consegue remotamente saber se o barco só passou por dentro da unidade ou se ele está fazendo alguma atividade de pesca no local”, detalhou.
O Preps é o Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite que visa gerar dados sobre a atividade pesqueira através do monitoramento remoto da embarcação de pesca e auxiliar na salvaguarda da vida humana no mar e nas ações de fiscalização.
“Se a gente detecta que ele está fazendo um movimento de pesca, o Preps já passa para a gente todos os dados da embarcação e do proprietário e a gente faz esse auto pelos Correios e manda para ele”, acrescentou.
Municípios
Os municípios abrangidos pela APA ampliada são: Maceió, Paripueira, Barra de Santo Antônio, Passo de Camaragibe, São Miguel dos Milagres, Porto de Pedras, Porto Calvo, Japaratinga e Maragogi, em Alagoas; e São José da Coroa Grande, Barreiros e Tamandaré, no estado de Pernambuco, o que inclui as águas jurisdicionais.